O ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva Filho, presidiu a a Audiência Pública da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo (CNCVC), realizada hoje na Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos, em Limoeiro do Norte, com o objetivo de discutir o assassinato de José Maria Filho, ocorrido no dia 21 de abril deste ano, com 25 tiros, na comunidade de Tomé, na Chapada do Apodi, Limoeiro do Norte. Também teve como propósito discutir o uso de agrotóxicos na Chapada do Apodi e a indenização aos atingidos por agrotóxicos.
Além do ouvidor agrário nacional fizeram parte da mesa Ailson Silveira Machado, coordenador da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos - SEDH/PR, ligada diretamente à presidência da República, Glauber Pires Dantas e o Delegado Civil Agrário do Estado do Ceará, o sr. J. Bezerra Dantas.
A Comissão Nacional de Combate a Violência no Campo é composta por representantes de órgãos oficiais que lidam com questões agrárias e de segmentos da sociedade organizada. Ela foi criada com o objetivo de sugerir medidas para prevenir, combater e reduzir as diversas formas de violência praticadas contra trabalhadores rurais, proprietários rurais, remanescentes de quilombos, ribeirinhos e atingidos por barragens.
A audiência foi aberta com o relato do Delegado Civil Agrário do Ceará, Dr. J. Bezerra Dantas, um dos delegados que acompanhou a investigação do assassinato de José Maria Filho. Infelizmente, para descontentamento dos presentes, o delegado não trouxe novidades sobre o caso. Indignado, revelou que o processo de investigação está parado porque até o momento não foi realizado um exame de balística nas cápsulas coletadas no local do assassinato. Segundo o delegado, o laudo da perícia é essencial para o andamento das investigações, pois com ele poderão surgir novas pistas. Revelou ainda que as cápsulas encontradas no local são de uso privativo da polícia.
Depois da exposição do delegado, dona Socorro, Representante da Associação de Trabalhadores Rurais sem Terra da Chapada do Apodi, falou da situação em que vivem os moradores da região da chapada e dos problemas decorrentes do uso de agrotóxicos pelas grandes empresas do agronegócio, que poluem as águas e o ar, causando diversos tipos de doenças, inclusive cancer.
Muitos outros representantes de movimentos sociais e sindicais, igreja e represntantes do Estado expuseram suas preocupações. A maior parte deles identificaram o Estado como tendo papel fundamental na instalação dos conflitos na região, principalmente o DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - e o Ministério da Integração Nacional, financiadores dos programas e projetos de desenvolvimento na região que possibilitam a expansão do Agronegócio, a concentração de terras e o uso indiscriminado e predatório dos recursos naturais, como a água e os solos.
O Vereador de Fortaleza e advogado da RENAP - Rede Nacional de Advogados Populares - fez uma intervenção emocionada, lembrando que o assassinato de José Maria Filho, pode ser comparado com os assassinatos de Chico Mendes, da Ir. Dorothy Stang, do Pe. Josino entre outros. Fala do fenômeno que vem ocorrendo no campo, as "favelas rurais", em decorrência dos projetos de irrigação financiados pelo Estado e do Agronegócio.
A representante do CONLUTAS - Coordenação Nacional de Lutas/ Vale do Jaguaribe, Zeuza Freitas, lembrou que a realização de uma audiência tão importante como esta foi fruto da mobilização dos movimentos sociais e da mobilização popular que não deixou que a morte de José Maria calasse aqueles que lutam por justiça na região. Ela falou da natureza do agronegócio, que é concentrador de riquezas e terras, economicamente injusto e ambientamente destrutivo.
Outra intervenção muito importante foi a do Pe. Júnior, da Diocese de Limoeiro do Norte, que participa das lutas do povo desta região. Aborda os problemas decorrentes do Agronegócio e da visibilidade que Zé Maria conseguiu devido sua luta constante. Lembrou ele que Zé Maria participava de todos os eventos desta natureza, denunciando os diversos tipos de irregularidades cometidos pelas grandes empresas e pelo Estado. Por sua ação é que foi marcado para morrer.
O Diretor da FAFIDAM, Prof. Hidelbrando dos Santos Soares, lembrou a atuação e denúncias de Zé Maria levaram o DNOCS a investigar a apropriação irregular por parte de grandes empresas de terras do Projeto Irrigado Jaguaribe-Apodi. Assim, o DNOCS reconheceu formalmente que as empresas privadas estavam se apropriando de terras públicas. Para ele, Zé Maria levantou três grandes problemas que desagradaram empresas privadas e instituições públicas. O primeiro deles, é a apropriação irregular de terras públicas por empresas privadas. O segundo, é o problema da água: o Aquífero Jandaíra, se estende por dois estados, Ceará e Rio Grande do Norte, e sua utilização de forma predatória e descontrolada poderá trazer graves problemas. O último é o problema dos agrotóxicos que contaminam águas, alimentos e seres humanos.
Por fim, reconheceu-se que os problemas vivenciados pela população da Chapada do Apodi podem ser pensados numa perspectiva mais ampla, a do capitalismo avançado no campo. Aqui se reproduzem todas as contradições do capital. Aqui se reproduz a violência e a morte. Aqui estão surgindo as favelas rurais em função da desativação de algumas empresas que procuram outros ramos do mercado agrícola ou simplesmente se mudam para regiões que ofereçam melhores condições de acumulação do capital.
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